Chance de aprender
ALEXANDRE SCHNEIDER e FERNANDO JOSÉ DE ALMEIDA
O Globo, 06/10/2010 - Rio de Janeiro RJ
É uma covardia com a educação identificar a progressão continuada com aprovação automática. Só o fazem aqueles que - com uma análise quase fascista das propostas inovadoras - colocam em vala comum os diferentes matizes dos graus e tempos da aprendizagem de grandes grupos sociais e de pessoas. Aprovação automática não leva em conta nem o aluno, nem o trabalho do professor, nem o currículo da escola. Ela supõe uma espécie de irresponsabilidade de todos os parceiros em algo que exige planejamento, avaliação, corresponsabilidades e prestação de contas públicas. Já a progressão continuada tem um princípio que é de realidade e de aprofundamento sobre o que seja o ato de aprender, de ensinar, de diagnosticar e de planejar as atividades escolares de conhecimento e de cidadania. Crianças e jovens têm habilidades diferentes e ritmos diversos de aprendizagem. Mas todos podem chegar lá. E chegam. Todos podem aprender, e aprendem. Às vezes, um semestre a mais ou um ano a mais é suficiente para se verificarem amplas mudanças. Seja no amadurecimento psicológico, seja para superar um problema familiar ou para adquirir segurança física; fatores que repercutem profundamente na eficácia da aprendizagem.
Reprovar - uma ou duas vezes - e obrigar o aluno a ficar com os sempre menores causa inadaptação. Provoca desinteresse por ter que ver tudo de novo, e de novo - ainda que os mais severos digam que ele não aprendeu porque era vagabundo. Na indústria automobilística, uma engrenagem que não está dentro das normas vai de novo para a fundição. Com o ser humano é diferente. Não se pode começar do zero como se nada tivesse acontecido de positivo na vida da criança naquele ano. A reprovação anual pode expulsar do sistema de ensino milhares de crianças e jovens que terão nas ruas a sua nova escola. E nelas construirão suas novas companhias, linguagens e tarefas. E o aprendizado capaz de torná-las cidadãos melhores pode acabar substituído pela "viração" e pelos vícios das ruas. Abandono e marginalidade serão o seu novo cotidiano. Alguns podem pensar que a escola tem que premiar - classificando em ordem de resultados numéricos - os mais eficazes. É um equívoco. A escola é lugar de prazer de aprender o novo, aprender habilidades que dão às crianças e ao jovem lugar social e de cooperação. Claro que competir é bom e a escola deve ter espaços para tal. Mas não nas notas ou na aprovação.
Os sistemas de progressão continuada - que são apenas ciclos mais longos do que os anuais - vêm sendo a forma mais eficaz e justa de estabelecer os prazos de reprovação ou corte decisivo para mudança de fase escolar. Paulo Freire, quando secretário da educação do município de São Paulo (1989-91), propôs que fossem três ciclos: da 1ª à 3ª, da 4ª à 6ª e da 7ª à 8ª. E apenas no fim de cada um desses ciclos haveria exames que definiriam se o aluno seria ou não retido. Isso não significava a aprovação automática, mas a criação de um delicado sistema de acompanhamento do aluno.
Um bom ciclo de progressão continuada pressupõe o engajamento de professores e da comunidade escolar, o pleno funcionamento dos conselhos de classe para que cada aluno possa ter suas dificuldades analisadas, além de novas e diferentes medidas de revisão dos pontos críticos para superar as dificuldades. Inclui ainda a escolha adequada dos materiais didáticos e das metrificações do rendimento do aluno. Outro componente essencial é a recuperação. Recuperar não é fazer de novo, do mesmo modo, repetidamente, até o aluno aprender, como se a atividade fosse um simples "escreva cem vezes". O segredo pedagógico é que os professores e coordenadores dessas classes e desses alunos reinventem novas formas de trabalhar, já que as que foram usadas não surtiram efeito. É preciso evoluir da autópsia para a biópsia. Punir uma criança ou um jovem com a repetência nada ensina. Melhor é avaliá-la permanentemente, entender suas dificuldades, corrigir rumos e assumir com ela o compromisso com o sucesso de sua aprendizagem. ALEXANDRE SCHNEIDER é secretário municipal de Educação de São Paulo. FERNANDO JOSÉ DE ALMEIDA é diretor de Educação da TV Cultura, professor de pós-graduação em Educação e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
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