Um
processo de “preparação” para o vestibular precisa pontuar as exigências e o
cotidiano da vida universitária, bem como da prática profissional. Deve
considerar as dimensões do tempo: passado, presente e futuro e não apenas o
tempo momentâneo de “preparação para o vestibular”. Ainda, precisa se distanciar da compreensão,
que se tornou mito ou uma racionalidade instrumentalizada, que “preparar-se”
significa a capacidade de “se fazer uma prova” ou da tão e somente necessidade
de se reter “milhões de informações ou conhecimentos estanques”.
A
expressão do senso comum “se preparar
para o vestibular” deve considerar a seguinte questão: preparação para fazer um vestibular ou para a vida de estudante
do ensino superior?
A
indagação nos faz refletir sobre três pontos:
Ponto
1: o cotidiano e as exigências da vida de estudante como um universitário – ou
seja, “pós” vestibular – necessitam de outros elementos formativos que vão além
da habilidade de responder questões objetivas e dissertativas ou ser capaz de
memorizar milhares de informações.
Ponto
2: A dimensão de estudante do ensino superior se amplia quando imaginamos que,
um dos objetivos, pós conclusão da faculdade, será o exercício de uma prática
profissional ética, efetiva e de
sucesso.
Ponto
3: O estudante, enquanto ser humano,
convive e conviverá dentro de um “ethos”
social moderno, onde a vivência não poderá estar pautada nesta estancada forma
de mito da capacidade de ser o primeiro colocado aprovado num vestibular com a foto estampada nos out doors das instituições de ensino. Tal perspectiva é
inconcebível com o princípio moderno de cidadão que incidirá diretamente na
formação da prática profissional pautada na ética e no compromisso do fazer
profissional na sociedade.
Os apontamentos
acima assinalam os limites do pensar: “preparar-se
para o vestibular” significando “preparar-se
para o ensino superior”. Esta concepção vem sendo, equivocadamente, o
propulsor de aprendizagem do ensino médio ou até o referencial de qualidade, muitas
vezes, de instituições escolares. Limitar a construção e a ampliação do
conhecimento apenas ao desenvolvimento de poucas capacidades dos estudantes,
como a de reter informações direcionadas a resolução assertiva nos exames de
vestibulares é um aspecto que deve ser repensado. É preciso outra postura, onde
“o foco se
desloca então de uma racionalidade cognitivo-instrumental a uma racionalidade
comunicativa” (Habermas).
O
modelo de projeto voltado para uma “preparação”, cristalizada, pode ser melhor
compreendido, ao olharmos a construção da educação formal brasileira
contemporânea pensada no princípio da
universalidade, mas que historicamente assumiu e assume as vias de acesso ao
ensino superior pautadas nos moldes da concorrência e pouco de uma acessibilidade
paritária. O caminho tornou-se um catalisador do formato e do discurso sobre o
que é “preparar-se” para o ensino superior ou ser um estudante do ensino médio.
Outras
referências se construíram a partir da perspectiva do acesso por concorrência
ao ensino superior, como:
Ø a ideia de que estudar está ligada a
memorização de milhares de conteúdos destinados a realização de uma prova o que
se distancia da condição de aprendizagem
como uma compreensão e formação de um
conhecimento da realidade.
Ø compreensão de que o ensino superior é
para poucos e que estes poucos são os mais inteligentes, compreendidos como aqueles com maior
capacidade de “decorar” conteúdos cobrados nos exames.
Ø a perspectiva de que o Ensino Médio
“bom” e “instituições boas” são aquelas que “preparam” para uma “boa prova do
vestibular” (de preferência aqueles vestibulares de maior concorrência no
país).
Voltando
ao tema central, o que concebemos como “preparação”, devemos ratificar ainda a
afirmação feita no início do texto, qual seja a noção do tempo. A ideia ou ato
de estar se “preparando” envolve três dimensões do tempo: um passado, um
presente e um futuro.
Focar
tão somente no momentâneo ou no momento presente (na prova do vestibular)
indica a possibilidade de um grande choque no futuro.
É
necessário que o estudante tenha instrumentos de aprendizagem e conhecimento
que o possibilitem de se aproximar com máximo de clareza de quem ele é e o que
se pretende quanto ao seu futuro de vida e de profissão.
Dados
apontam uma margem de quase 30% dos estudantes que ingressam ensino superior, abandonam
o curso e apenas 47% se titulam após quatro anos de estudos. Dentre as
justificativas para tais índices se destacam duas: a questão de dificuldades na
aprendizagem (de forma de estudos) e a escolha do curso.
“Preparar-se”
bem para o vestibular é preparar-se para ser capaz de assumir o desafio do
tempo futuro aberto, de ser capaz de sentir-se desafiado para viver uma prática
universitária e posteriormente uma prática profissional, de sentir-se inserido
na sociedade com sua vida e suas escolhas adquiridas em todo seu processo de
aprendizagem.
Segundo
o filósofo Habermas para estar no mundo como um cidadão é necessário ter
condições universais de agir, através das possibilidades de: “estar-se
expressando inteligivelmente, de estar dando a entender algo, de estar permitindo-se
a entender, e de entender-se com os demais.”
Enfim,
onde encontrar esta preparação? A resposta é simples: os colégios ou escolas
ainda possuem a missão de ser este local. Como encontrar? Também nos parece
simples: buscar instituições que têm em sua missão e na sua visão, valores que
incorporem esta proposta, onde o vestibular é um rito de passagem e não um mito
do qual se queira fazer uma grande história, principalmente publicitária.
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